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OPINIÃO: De volta à barbárie (ou sobre a desesperança)

Vezes há em que me sinto desconfortável na precária condição de um ser humano que acredita, ou sonha, ser possível nossa própria transformação por meio dos processos culturais e políticos ordinários e aceitos como normais pela maioria das pessoas que usam sua inteligência e o conhecimento adquirido com propósitos civilizatórios e humanistas. Toda vez que um massacre ou uma chacina são perpetrados, e isso vale para Sabra e Chatila, para a Igreja da Candelária, para a aldeia de My Lai, para Eldorado do Carajás, para escolas norte-americanas e brasileiras, para embaixadas israelenses e mesquitas neozelandesas, a humanidade é vilipendiada.

Toda vez que alguém é assassinado de forma covarde em uma rua do Rio de Janeiro, na Praça da Paz Celestial, nos escombros de Damasco, em uma viela de nossa cidade ou em um beco afegão, a condição humana é aviltada, reduzida à condição da animalidade ancestral mais canhestra e anterior à civilização.

Quando governantes defendem, clara ou veladamente, a ideia de que apenas a violência é o antídoto da própria violência, quando sustentam a necessidade de que a população se arme e, na contramão da aspirada evolução social, econômica e espiritual, descuram, grotescamente, de sua obrigação fundamental, que é a educação, substrato único sobre o qual se pode assentar uma nação civilizada e um Estado que priorize o direito e os valores da cidadania, é quase impossível manter viva a esperança de construção de um futuro em que as desigualdades socioeconômicas se submetam, de forma definitiva, à partilha mais equilibrada da riqueza e no qual a pacificação social, e não o fomento à beligerância, seja meta prioritária.

Estes primeiros meses do ano têm sido terríveis, seja no afloramento da violência mais estúpida e sem sentido, aí incluída a vertente mais selvagem do capitalismo, consubstanciada no escárnio de Brumadinho; seja nos desmandos e trapalhadas governamentais. Nosso projeto caboclo de Trump parece gostar de se atrapalhar com as palavras e com o uso atrapalhado das redes sociais.

Aquela ideia de que "o homem é o lobo do próprio homem", buscada por Thomas Hobbes na velha Roma, em obra de Plauto, e que é um dos fundamentos do jusnaturalismo racional e pilastra das teorias contratualistas da formação do Estado, parece ganhar vida. O egoísmo e a indisposição para a vida em sociedade nos remetem ao homem no estado de natureza (anterior à renúncia a essa condição primária, instintiva, em benefício de organização que permitisse a vida em comunidade).

Obviamente, não é propósito deste pequeno texto discutir Ciência Política ou Teoria Geral do Estado, nem o desapreço de Hobbes por aquilo que chamamos de democracia. A referência ao autor de Leviatã foi feita apenas para pinçar a frase célebre sobre as multisseculares idiossincrasias da condição humana, que, em alguns casos, como no Brasil, nos levam de volta à barbárie, sem que nem mesmo tenhamos passado por um processo efetivamente civilizatório. É, amigos, está cada vez mais difícil acreditar no homem e ter esperanças de que possamos todos viver fraternalmente.

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